O clima nunca foi apenas um pano de fundo para a vida humana, é um ator poderoso que molda nossa saúde de formas profundas e, por vezes, inesperadas. Fenômenos climáticos como o El Niño podem afetar significativamente a história das doenças infecciosas, especialmente em países de dimensões continentais como o Brasil.

Se você é um profissional de enfermagem ou farmácia, compreender essa relação entre ambiente e patógenos é essencial no trabalho. Neste artigo, vamos falar sobre como um fenômeno global se transforma em desafio clínico local, e como o conhecimento especializado pode construir pontes entre a ciência do clima e a arte do cuidado.

 

O que são doenças infecciosas?

Termômetro em alta sob sol intenso representando onda de calorAs doenças infecciosas são causadas por agentes patogênicos, como vírus, bactérias, fungos e parasitas, e podem se espalhar entre indivíduos e populações, representando desafios epidemiológicos complexos no Brasil.

Um dos fatores que contribuem para essa realidade é a diversidade ecológica, já que o país abriga seis biomas distintos, cada um com dinâmicas próprias de transmissão. Além disso, os determinantes sociais agravam o cenário, com 33 milhões de pessoas vivendo em insegurança hídrica, o que aumenta a exposição a agentes infecciosos e dificulta a adoção de medidas preventivas.

Outro aspecto preocupante é a capacidade de adaptação dos patógenos ao clima, especialmente vetores como o Aedes aegypti, que se ajustam rapidamente a variações ambientais e ampliam sua distribuição geográfica.

A propagação das doenças segue ciclos de transmissão críticos:

  • o ciclo vetorial, por exemplo, é acelerado em temperaturas elevadas, facilitando a proliferação de mosquitos transmissores;
  • o ciclo hídrico, por sua vez, torna-se mais intenso em períodos de inundações, pois a água contaminada por coliformes fecais favorece a disseminação de doenças gastrointestinais;
  • o ciclo aéreo é impactado pela umidade elevada, que prolonga a suspensão de partículas virais, aumentando a taxa de infecção respiratória.
 

O que é o El Niño?

El Niño é um fenômeno climático natural caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical, especialmente na região central e oriental.

Esse evento ocorre quando os ventos alísios (que normalmente empurram as águas quentes para a Indonésia) enfraquecem ou revertem. Consequentemente, a ressurgência de águas frias e ricas em nutrientes na costa da América do Sul é reduzida, permitindo que o calor se acumule no Pacífico Leste.

Como resultado, alterações atmosféricas globais são desencadeadas, modificando padrões de chuva e temperatura em todo o planeta. Por exemplo:

  • No Sul do Brasil, o fenômeno causa chuvas intensas e inundações;
  • Já no Norte e Nordeste, provoca secas severas e aumento de queimadas;
  • Enquanto isso, regiões como Austrália e Indonésia enfrentam estiagens extremas.

“O aquecimento global e o fenômeno El Niño têm ajudado a impulsionar a alta de casos de dengue no início deste ano no Brasil.”

Fonte: CNN Brasil — https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/aquecimento-global-e-el-nino-impulsionam-casos-de-dengue-e-brasil-enfrenta-alta-da-doenca/

 

Como mudanças climáticas afetam a propagação de doenças?

Mosquito Aedes em foco macro, simbolizando risco de dengueO impacto do El Niño nas doenças infecciosas no Brasil pode ser compreendido por meio de mecanismos biofísicos diretos e indiretos, que afetam tanto a proliferação de vetores quanto a alteração do ambiente e das condições sanitárias.

O aumento das temperaturas tem um efeito significativo na proliferação de vetores. Quando os termômetros ultrapassam 25°C, o ciclo reprodutivo do Aedes aegypti acelera, ampliando o risco de transmissão da dengue, chikungunya e zika.

Além disso, as chuvas intensas alteram padrões pluviométricos, criando criadouros episódicos em objetos acumuladores de água, como pneus e telhas. Outro fator crítico é a mutação dos patógenos, pois o vírus da dengue desenvolve até três vezes mais variantes em condições de estresse térmico, dificultando a resposta imunológica e os tratamentos existentes.

Calor + chuva irregular = mais criadouros e vetores; picos térmicos também aceleram ciclos reprodutivos de mosquitos.

 

Impactos indiretos na saúde pública

As mudanças climáticas provocadas pelo El Niño têm impactos profundos na disseminação de doenças infecciosas, criando condições favoráveis para surtos em diversas regiões do Brasil. As inundações, por exemplo, aumentam significativamente os casos de leptospirose, devido à exposição da população a águas contaminadas.

Já as secas prolongadas comprometem o saneamento básico, elevando o risco de cólera e surtos de diarreia, devido à escassez de água potável. Por outro lado, a umidade elevada favorece a proliferação de fungos, levando ao aumento de doenças respiratórias como a histoplasmose.

Enchentes ampliam leptospirose; estiagens afetam água potável; umidade elevada favorece micoses e agravos respiratórios.

● Inundações: contato com águas contaminadas.

● Secas: piora do saneamento e da qualidade da água.

● Umidade: proliferação de fungos e partículas.

 

Qual é o impacto do El Niño nas doenças infecciosas no Brasil?

O El Niño tem um impacto significativo na proliferação de doenças infecciosas no Brasil, afetando diferentes ciclos de transmissão. Entre as enfermidades mais influenciadas pelo fenômeno climático, as arboviroses, como dengue, zika e chikungunya, se destacam devido à sua relação direta com as variações de temperatura e precipitação.

O período de estiagem seguido por chuvas intensas cria poças ideais para a deposição de ovos do Aedes aegypti, acelerando sua reprodução e ampliando o risco de surtos.

Além das arboviroses, as doenças hídricas, como leptospirose e cólera, também são agravadas por episódios de chuvas intensas e enchentes. As inundações urbanas dispersam a bactéria Leptospira em águas contaminadas, elevando o risco de infecção, sobretudo em comunidades periféricas sem drenagem adequada, onde a exposição à água contaminada é maior.

Outro efeito preocupante do El Niño é o impacto na malária, que se intensifica devido às cheias na Amazônia, criando criadouros ideais para o mosquito Anopheles, transmissor da doença.

Por fim, as doenças respiratórias, como influenza e outras infecções virais, também apresentam picos em períodos de transição climática. As oscilações bruscas de temperatura e umidade comprometem a imunidade mucosa, tornando o organismo mais suscetível a infecções.

“O El Niño promove uma elevação da temperatura nas Américas e próximo ao Oceano Pacífico, o que acaba por facilitar a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti que são os vetores da dengue e de outras doenças tropicais como chikungunya e zika.”

Fonte: CNN Brasil — https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/aquecimento-global-e-el-nino-impulsionam-casos-de-dengue-e-brasil-enfrenta-alta-da-doenca/

Indicadores climáticos e efeitos na transmissão

Condição Efeito esperado Exemplos de agravos
Temperatura > 25°C Ciclo reprodutivo de vetores acelera Dengue, zika, chikungunya
Chuvas intensas Criadouros e contaminação hídrica Arboviroses, leptospirose, diarreias
Umidade elevada Partículas e fungos permanecem suspensos Infecções respiratórias, micoses
 

Estratégias de prevenção e controle

Para minimizar os impactos do El Niño nas doenças infecciosas, diversas estratégias têm sido desenvolvidas, combinando vigilância epidemiológica, adaptação comunitária, protocolos clínicos eficazes e inovações farmacêuticas.

A vigilância integrada entre clima e saúde é essencial para prever surtos e agir de forma antecipada. Um exemplo bem-sucedido desse modelo é o sistema early warning, que aciona fumacê sempre que estações meteorológicas preveem condições climáticas específicas

Já a adaptação comunitária tem mostrado grande impacto na contenção de surtos. Soluções baseadas na natureza, como a instalação de cisternas no semiárido, são eficazes para reduzir casos de diarreia ao garantir acesso sustentável a água potável.

Além disso, avanços na engenharia sanitária, como a implementação de drenos inteligentes em áreas de risco para leptospirose, ajudam a evitar a contaminação das populações vulneráveis.

“As mudanças climáticas têm desempenhado um papel significativo na expansão global do mosquito Aedes aegypti, vetor de vírus causadores de doenças como dengue, Zika e chikungunya.”

Fonte: Ministério da Saúde — https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/fevereiro/como-as-mudancas-climaticas-estao-favorecendo-a-disseminacao-do-aedes-aegypti

 

Mapa meteorológico com mudança brusca de temperaturaO El Niño impacta diretamente as doenças infecciosas no Brasil, aumentando a incidência de dengue e desencadeando crises sanitárias interligadas. Esse fenômeno climático agrava desafios estruturais, como a fragilidade dos sistemas locais.

Além disso, ele intensifica a desigualdade ambiental, colocando populações vulneráveis em risco dobrado durante eventos extremos devido à infraestrutura precária e ao acesso limitado a serviços emergenciais.

Se você trabalha na área da saúde, é essencial incorporar variáveis climáticas na anamnese, perguntando, por exemplo, se o paciente mora em áreas de inundação, o que pode influenciar sua exposição a agentes infecciosos.

Também é fundamental investir em formação continuada, como na Pós-graduação EAD em Enfermagem em Infectologia, que inclui módulos específicos sobre saúde planetária, preparando melhor os profissionais para lidar com os impactos das mudanças climáticas na saúde pública.

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FAQ

  1. Quais sinais climáticos devem acender alerta para arboviroses?

    Temperaturas acima de 25°C combinadas a chuvas irregulares e armazenamento inadequado de água aumentam criadouros do Aedes.

  2. Eventos de enchente elevam quais riscos imediatos?

    Leptospirose e surtos de diarreia, além de contaminação de poços e rotas de água potável.

  3. Como integrar clima e saúde no dia a dia dos serviços?

    Use boletins meteorológicos e modelos sazonais para planejar controle vetorial, ajustar estoques, treinar equipe e orientar territórios.

Referências

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